Em dias do mez passado
Vi n’uma reunião
Um trocador de cavallos,
Um velho tabellião,
Um criado d’um vigario
E a avó de um sachristão.
Veiu uma d’essas ciganas
Que lê a mão da pessoa,
Leu a mão d’um velho e disse:
- Vossa mercê anda atôa,
De cinco sogras que teve
Não obteve uma boa.
- É muito exacto, cigana,
Disse o velho a suspirar,
A melhor de todas as cinco
Essa obrigou-me a chorar,
Depois de morta trez mezes
quasi me faz expirar.
Disse o velho: - minha vida
Dá muito bem uma scena,
Dá um romance e um drama,
E a obra não é pequena...
O velho tabellião
Quase que chora de pena.
Disse o velho: - minha vida
Dá muito bem uma scena,
Dá um romance e um drama,
E a obra não é pequena...
O velho tabellião
Quase que chora de pena.
O velho ali descreveu
Todas as scenas que déram,
Alguns d’aquelles ali
Foram escutar não poderam,
Foi um serviço de gancho
O que essas sogras fizeram.
Disse que a primeira sogra
Foi uma tal Marianna,
Tinha os dentes arqueados
Como a cobra Caninana,
Elle cazou-se na quarta
Brigou no fim da semana.
A segunda era uma typa
Alta, magra e escovada,
Damnada para passeios,
Enredeira exaltada,
Cavilosa e feiticeira,
Intrigante e depravada.
Por felicidade d’elle
Chegou-lhe a fortuna um dia:
Deu a munganga na velha
Chegou-lhe a hydrophobia,
Foi morta a tiros, no campo,
Graças ao povo que havia.
A terceira se chamava
Genoveva Bota 2 baixo,
Espumava pela bocca
Que a baba cahia em cacho,
Um dia partiu p’ra elle
Lhe fez da cabeça um facho.
A quarta era fogo vivo,
Chamava-se Anna Martello,
Filha de uma tal medonha
Bala de Bronze Cutello,
Parecia um jacaré
D’esses de papo amarello.
Era da cor da giboia,
O rosto muito cascudo
E tinha no céu da bocca
Um dente grande e agudo,
Essa enguliu pelas ventas
Um genro com roupa e tudo.
- Meu amigo, disse o velho,
Eu me casei innocente
Pois antes de me casar
A velha era tão prudente,
Eu disse com os meus botões
“Tenho uma sogra excellente”.
Depois que casei, um dia,
Eu inda estava deitado,
Vi a velha dar um pulo
E abecar o criado
Arrancar-lhe o coração
Dizendo: este eu como assado.
Veio à porta do meu quarto
Disse: Pedaço de burro,
Inda não se levantou,
Quer se levantar a murro?
Você ou cria coragem
Ou sente o cheiro de esturro.
A derradeira de todas
Não era muito ruim,
Me levantava algum falso,
Falava muito de mim,
Eu teria me banhado
Se as outras fossem assim.
Sempre tinha alguns defeitos
Mas também não era tanto,
Uma vez quiz obrigar-me
Passar trez dias n’um canto,
Com um defunto nas costas
Fazendo oração a um santo.
Ella depois de morrer
Fez um papel temerário:
Ajuntou-se com a alma
Da avó de um boticário
E me passaram por sonho
Um dos contos do vigario.
Disse-me a velha em sonho:
- Cave lá no pé do muro
Que achará uma jarra
Com moedas de ouro puro,
É teu e de minha filha
Serão ricos no futuro.
Passei um anno e dois mezes
Com febre, sobre o chão duro,
Tinha febre todo o dia
Trancado n’um quarto escuro
E a alma da damnada
Me esperando no monturo.
A mulher estava dormindo
Por sonho viu Ella vir
E lhe disse: minha filha
Tu não podes resistir,
Eu trago aqui um escravo
Que vem pra te servir.
A mulher lhe perguntou:
- E lá pelo mundo eterno
Existe também escravo?
- Filha, lá é tudo moderno...
- Minha mãe, onde achou este?
Disse a velha: no inferno!
Minha mulher disse ali:
- Jesus, Maria e José!
A velha espantou-se e disse:
- Atrevida! Como é
Que chamas por trez pessoas
De quem eu perdi a fé?
Disse a velha se mordendo:
- Eu parto, sinão me acabo,
Diabos carreguem meu genro
Que nem sogra dá-lhe cabo...
Sahiram, então, se mordendo
A velha com o diabo.
Essa tal de Bota abaixo
No dia que Ella morreu
Eu lhe mostrei uma imagem
Pois a velha inda se ergueu
Arrebatou-me a imagem
Deu um bote e me mordeu.
A velha era damnada,
Eu conheci o mysterio
E pude então conhecer
Que o acto não era sério,
Tanto que eu disse logo:
- desgraçou-se o cemitério!”