Quando o bode era doutor
E o cachorro advogado,
Andava tudo direito;
o mundo era governado,
A justiça muito reta
Ninguem vivia enganado.
o Leão sempre foi rei
Casado com a Leoa
Jacaré seu Secretario
Onça era grande pessoa
Mestre Sapo profesor
Na beira de uma lagoa.
Coelho chefe do mato,
Perú era viajante ...
o Galo, por ser tenor
Regia um café cantante
Macaco bicho do Rei
E urso rapaz amante.
O Porco era vagabundo
Passava o dia a beber
Por isso dele ninguem
Amigo queria ser ...
De toda festa que havia
Um dia mestre Coelho
Fez unia festa no mato
Foi Cachorro e Jacaré
Gente de mais aparato
Finalmente todo bicho
Menos Porco e mestre Gato.
Rato tocava na flauta
Periquito no Rabecão
Caetitú no contrabaixo
Cururú no violão
Mucuim no clarinete
E Tatú no bombardão.
O Pinto ia com os pratos
o Carneiro com o tambor
Mosquito numa rabeca
Era quasi professor
Mestre Sapo como chefe
Ia feito regedor.
Quando o Porco soube disso
Ficou injuriado
Disse ao Gato — «Vamos lã»
Que eu garanto por meu lado
Ou nós entramos na festa
Ou o baile está terminado.
O Gato disse — Eu não vou
Porque acabo apanhando
o Porco lhe respondeu
Você bem está mostrando
Ser um Gato sem coragem
O Porco: chegando lá
Queria o baile invadir
Jacaré veio e falou
Mandou o Porco sair
Como não obedeceu
Foi preciso Onça intervir.
O Urso logo zangou-se
Por a sua namorada
Que era uma Anta bonita
E estava ali bem trajada
Por um Porco vagabundo
Ser assim desrespeitada.
Botaram o Porco p'ra rua
Mas ele tornou a entrar
Ahi já era demais
Impossível se aturar
Coelho puxou o revolver
Para no Porco atirar.
O Porco sacou da faca
Para matar ou morrer
Cotia teve um ataque
Paca queria correr
Galinha cahiu sem fala
Durinha sem se mexer.
Raposa quasi que morre
Mucura quebrou o braço
Lagartixa foi pisada
Quasi ficou em pedaço
A cabra ananhou de pau
Barata correu p'ra um canto
Não quiz a vida perder
Preguiça estava num pau
Disse: Foi bom não descer
Kangurú disse : — O diabo
Quem não trata de correr.
Girafa, como era grande
Estava tudo apreciando
Quando viu na sua costa
Arara estava trepando
Ema disse: — «Eu vou embora»
Coruja saiu voando.
Borboleta há muito tempo
Já tinha se escapolido
Mosca fez sua viagem
Levou piúm seu marido
Garça disse: vocês briguem
Mas não sujem o meu vestido.
Aranha estava tremendo
A Lesma morta de rir
Macaco olhou para um galho
Tratou logo de subir
Dizendo: Porco não trepa
"Aqui nunca pode vir".
Catraia gritava tanto
Que gritava a luz da lua;
Minhoca não acertava
Para que lado era a rua
Curica ficou sem pena
encontrou ela chorando
Finalmente a muito custo
Botaram o Porco p'ra fora
Já tinha dado e apanhado
Por isso disse: E agora
Antes que chegue a policia
Vou tratando de ir-me embora!
Com pouco veio o elefante
Que era então o Delegado
Com o camelo seu colega
Oficial reformado
E logo atraz o cavalo
No seu papel de soldado...
Coelho ahi contou tudo
Quanto tinha acontecido
Além disso como ruim
o Porco era conhecido
De forma que o Elefante
Deu tudo por resolvido.
Levou a queixa ao Rei Leão
Tal qual havia lhe dado
Atai foi expressa ordem
Do Porco ser procurado
Mas onde andava ele
Era o caso ignorado.
No outro dia, a Mucura
Tambem foi lá se queixar
Mostrou o braço p'ro o Rei
Que prometeu lhe vingar
Resolveram, então ir todos
O tal Porco procurar.
Foram a casa do Gato
Pois este era o seu amigo
Gato disse: — Esse sugeito
Tornou-se meu inimigo
Deu-me pancada e robou-me
Deixou-me torno mendigo.
Realmente o Gato estava
Com o corpo todo marcado
Não linha nem um vintern
o balai estava arrombado
E o Porco só lhe fez isto
Por não ter-lhe acompanhado.
Levaram o Gato doente
A presença do Leão,
E o Gato gemendo muito
Pediu tarnbem punição
Deste geito mestre Porco
Estava mal de informação.
Ganhava um conto de reis
Quem mestre Porco pegasse
Teria um ano de folga
o soldado que encontrasse
Fosse vivo ou fosse morto
o certo é que ao Rei levasse.
Andaram por mais de um mês
Sem saber-lhe o paradeiro
Até que um dia o acharam
Bêbado num atoleiro
Querendo dar no Mucuim
Por não ser seu companheiro,
O Elefante e o Cavalo
Deram a ordem do Rei
O Porco lhes respondeu
— Eu aqui de nada sei
Eu dentro da minha casa
Não sei que diabo é lei.
O Elefante então disse
— Olhe, eu sou delegado
Aqui que eu digo faz se
Tem de ser bem respeitado
Se você não for por bem
Mando leva-lo arrastado.
Eu irei (disse o Porco)
Mas só se for carregado
Não ponde dizer mais nada
Já tinha sido amarrado
E para a casa do Rei
Sem demora foi levado.
Quando chegou estava o Leão
Sentado numa cadeira
(Ao lado estava a Leoa)
Sua fiel companheira
Vendo o Porco muito sujo
Falou-lhe desta maneira.
— Porco imundo qual a causa
De tu seres valentão?
Bem sabes que ser valente
Pertence ao teu Rei Leão!
Tenho de ti muitas queixas
Só de ruim informação.
Formou o Leão um Jury
Para o Porco ser julgado
Foi quando este conheceu
— Que o caldo está entornado
A prova que a seu favor
Nem a Porca tinha votado;
Todos queriam que o Porco
Sofresse pena ruim .
Depois de tudo acabado
A contenda teve fim
Lavrou rogo a centença
Que foi deste geito assim:
- Como Justiça do Rei
SUA MAGESTADE O LEÃO
Manda fazer avisado
Que o Porco por valentão
Foi preso e está condenado
A trinta anos de prisão".
Autor: Severino Milanes da Silva
Bezerros/Pernambuco, 1906.
Vitória de Santo Antão, 1956/1967 (controverso)
Foi alfaiate de profissão e poeta popular brasileiro.
casaruibarbosa.gov.br